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A pós-verdade não é a negação da verdade, mas sua substituição silenciosa por algo bem mais confortável: a emoção, a crença pessoal, a conveniência de uma narrativa. Ela surge quando os fatos, mesmo disponíveis, perdem força diante do que se quer acreditar. E, nesse cenário, a verdade deixa de ser algo a ser buscado e passa a ser algo a ser moldado. O perigo? Ela se torna tão escorregadia quanto os grandes mistérios da ciência e da alma humana: difícil de agarrar, fácil de manipular.

Nos espaços acadêmicos, onde o saber deveria se firmar sobre a rocha dos dados e da razão, o relativismo cresce sorrateiro. Algumas ideologias substituem evidências. Narrativas rasas substituem pesquisa. A ciência, quando afetada por essa lógica, corre o risco de se tornar mera expressão de opinião sofisticada. E quem ousa discordar, ainda que com base sólida, é rotulado, silenciado, cancelado. Quando foi que o pensamento crítico se tornou inimigo da verdade?

No campo cultural, a licença poética, legítima e necessária, por vezes abre brechas para que a subjetividade se transforme em autoridade final. A arte perde sua função de provocar e elevar e se torna instrumento de validação pessoal. Em vez de espelhos que nos desafiam, criam-se telas que apenas confortam. E a verdade? Dilui-se, engole-se em símbolos que já não dialogam com uma realidade factual. Há dispersões!

Na política, a pós-verdade tem solo fértil. Verdades pela metade, manchetes apelativas, discursos cheios de emoção e vazios de substância. Não importa mais se é verdade, importa se mobiliza. Se cria impacto. Se divide. E, nessa lógica, parte da confiança desaparece. E quem perde somos todos nós. Como exigir responsabilidade pública se nem mesmo sabemos mais o que é real em sua plenitude? Somos manipulados, e de muitas formas, o tempo todo. Isso se dá por narrativas bem elaboradas, segundo a conveniência de quem controla a informação e detém o poder sobre elas, bem ao estilo do Big Brother controlador de 1984, uma sociedade de controle no estilo descrito por Foucault em Vigiar e Punir.

Nas empresas, a manipulação da narrativa institucional mascara crises, encobre abusos, embeleza fracassos. O cliente é guiado pela imagem, não pela essência. O colaborador, por promessas, não por práticas. E na família? Até ali a pós-verdade pode entrar. Quando cada um se apega apenas ao que sente, e não ao que de fato aconteceu, as relações adoecem. O diálogo vira disputa de versões. A escuta cede lugar à defesa. E o lar, que deveria ser porto seguro, torna-se campo de tensão.

Na fé, os efeitos são ainda mais devastadores. A doutrina cristã, outrora firme e clara, cede lugar ao relativismo ético e teológico. A verdade revelada é reinterpretada ao gosto do crente, da cultura ou da conveniência do tempo. E o resultado é uma geração de cristãos sem compromisso com a doutrina de Cristo, onde tudo pode ser adaptado, atenuado ou ignorado. A cruz perde seu peso, o pecado perde sua gravidade, a graça perde sua urgência. E o Evangelho, sem a verdade que o sustenta, torna-se apenas mais uma narrativa entre tantas.

Talvez estejamos precisando, mais do que nunca, de uma nova renascença. Não apenas cultural, mas moral. Um tempo em que se resgatem os valores da real honestidade, de uma coragem intelectual, da fé que não se vende à conveniência. Um tempo em que a verdade volte a ser um bem comum e não um acessório moldável ao gosto do freguês.

Como reverter esse processo? Como fazer da verdade, de novo, um pilar e não um detalhe? Será que ainda há tempo? Ou já estamos nos acostumando tanto à mentira disfarçada que o próprio desejo pela verdade está desaparecendo? É hora de parar. Refletir. E reagir. Porque, quando a verdade se torna opcional, tudo o mais também pode ser. Inclusive a justiça. Inclusive a fé. Inclusive a própria realidade.

Teobaldo Pedro

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1 thought on “Pós-verdade: o perigo sutil da subjetividade dos fatos

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